Pé quebrado não mata

O outro dia um colega do trabalho estava reclamando que tinha sido forçado a esperar seis horas na sala de emergência de um hospital depois de chegar lá com um pé quebrado (fruto de sua tentativa frustrada de imitar Wayne Gretzky* durante um jogo de hóquei no gelo com amigos). Como seu caso não tinha gravidade, era sempre passado pra trás quando chegava alguém com um problema mais sério. Mas, no fim da noite - ou madrugada - voltou pra casa com os devidos reparos, sem ter que desembolsar um tostão a mais do que já paga em impostos para o governo.

Este episódio pode ser um breve resumo - ainda que incompleto - do sistema de saúde canadense. Gratuito, ele muito provavelmente servirá para lhe atender quando você realmente precisar dele, e seu caso for de vida ou morte ou muito sério. Mas se for banal, prepare-se para esperar. E esperar mais um pouco. Com um número pequeno de profissionais de saúde - ou pelo menos inferior ao que seria necessário para atender toda a população de forma mais rápida -, as esperas tornaram-se algo comum em hospitais e consultórios.

Normalmente, as pessoas que moram no Canadá precisam ter um médico de família, um clínico geral que é a porta de entrada para o atendimento pelo sistema de saúde. Sem médico de família, as pessoas também podem procurar as "walk-in" clinics, onde são atendidas por um médico de plantão. A pessoa com algum problema que não seja emergência vai ao médico de família, que a examina e determina se o caso é sério e precisa de atenção de um especialista ou se é simples de resolver com um Tylenolzinho. Se for caso de procurar um especialista, o proprio médico de família se encarrega de entrar em contato com este, que o avisará sobre a futura consulta posteriormente. E é aí que a porca torce o rabo, pois muitas dessas consultas - dependendo do médico e especialidade - demoram meses pra acontecer.

Na melhor das hipóteses, quando chegar a hora da consulta o problema já vai ter desaparecido ou melhorado e será uma questão de tentar descobrir o que aconteceu para ver se não acontece de novo. Mas no pior dos casos o problema pode se agravar, e deixar de ser algo simples de resolver. Para quem não gosta de esperar, paciência. Não há como furar a fila e marcar a consulta direto com especialista, nem procurar médico privado, que não existe (apesar de algumas mudanças no setor serem estudadas para permitir algumas práticas privadas em certas especialidades, em algumas províncias).

O sistema de saúde canadense - público - não deve ser comparado com o sistema de saúde particular brasileiro. Este último em geral é muito melhor e mais conveniente para os afortunados que podem pagar por ele. Acredito que o sistema dos Estados Unidos seja mais parecido com o brasileiro, onde só quem pode pagar seguro particular pode ser atendido razoavelmente, mas não sei como fica a situação de quem não tem condições de pagar por lá, se existe algo como o SUS americano.

Pessoalmente, acho o sistema canadense bastante aceitável. E sem dúvida muito melhor que seu equivalente brasileiro, o SUS, permitindo um atendimento razoável para toda a população, sem distinção. Dependendo de onde meu colega fosse atendido no Brasil, talvez tivesse que esperar ainda mais para sair engessado do hospital. Isso se o gesso não estivesse em falta.


* wayne Gretzky, ex-jogador de hóquei da Liga de Hóquei no Gelo Norte-Americana - a NHL - é considerado o maior atleta da história do esporte, uma espécie de Pelé do gelo. Atualmente é técnico e dono de um time da liga, o Phoenix Coyotes.

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A invasão

O dólar canadense anda bem forte, valendo mais que o dólar americano. Bem, na verdade o dólar americano é que anda fraco, se desvalorizando diante de tudo, se bobear até diante dos guaranis paraguaios. Os economistas daqui não esperavam uma valorização tão rápida, e não sabem se o fenômeno vai continuar, se agravar ou sofrer uma inversão nos próximos meses. Alguns empresários temem que um dólar canadense muito forte prejudique a economia, que depende das exportações para os EUA, os maiores clientes de produtos canadenses.

Mas enquanto isso, no dia-a-dia o que essa inversão do câmbio tem provocado é uma verdadeira corrida de canadenses aos Estados Unidos. O movimento é grande todos os dias, acentuando-se nos fins de semana. Pequenas e médias cidades americanas perto da fronteira lidam com a invasão como podem, mas é freqüente ver os estoques nas prateleiras das lojas simplesmente acabando no meio da tarde, tamanha a sede com que os compradores canadenses vão ao pote. Roupas, livros, eletrônicos, nada escapa aos olhares atentos dos consumidores loucos atrás de uma pechincha.

Mas será que a economia vale a pena? Por conta do excesso de pessoas cruzando a fronteira, as autoridades canadenses não dão conta do movimento, e os viajantes estão enfrentando longas filas na volta para o Canadá, onde têm que declarar tudo o que compraram e pagar os impostos devidos. Ou seja, você viajaria duas ou três horas, passaria mais quatro na alfândega, para comprar umas camisas e calças e economizar uns $40 no fim do dia?

Claro que a diferença vale mais a pena quando os produtos são mais caros, como carros e eletrônicos de grande porte (uma TV de alta definição, por exemplo). Mas você pode enfrentar mais dor de cabeça se precisar de algum conserto ou garantia que nem sempre são aceitos no Canadá para produtos comprados nos EUA. E, no caso dos carros, algumas montadoras chegaram inclusive a proibir a venda para canadenses, a fim de proteger os interesses das revendedoras ao norte da fronteira.

Uma verdadeira maluquice. Pessoalmente acho que se não estou precisando de alguma coisa, não tem economia de $300 que me faça gastar $1500. Lembrei do meu tio, que sempre falava quando minha tia queria aproveitar uma promoção "incrível": "Ela não poupa gastos pra fazer uma economia."

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