Torcendo para a desgraça alheia

Os canadenses estão bem decepcionados com o comportamento da torcida brasileira em alguns eventos dos Jogos Pan-Americanos, que estão sendo realizados no Rio de Janeiro. Os jornais daqui têm dado destaque à forma como a torcida brasileira se comportou em eventos da ginástica e tiro ao alvo, vibrando depois de erros de atletas estrangeiros - incluindo canadenses - em modalidades onde brasileiros também estavam competindo.

O caso que chateou mais os canadenses foi na ginástica, onde o público comemorou quando uma ginasta de 14 anos caiu da trave de equilíbrio. Obviamente surpresa pela reação da torcida, a jovem caiu outras três vezes, ficando em último na final do aparelho. Os brasileiros já tinham até torcido para ela no início do Pan, talvez exatamente por causa de seus 14 anos. Mas como na final havia uma brasileira competindo, vibravam quando os adversários erravam - o que ampliaria as chances de medalha para a brasileira. No tiro ao alvo, a mesma coisa: muita comemoração na hora que um adversário erra um tiro.

Os canadenses entendem a empolgação do público, a felicidade de estarem sediando os Jogos e a vontade de verem os atletas locais vencendo. Mas não estão acostumados com esse tipo de comportamento nesses esportes, seja lá onde as provas estiverem sendo realizadas. Em um jogo de futebol, ou mesmo do hóquei no gelo (para dar um exemplo de esporte popular no próprio Canadá), esse comportamento é até mais aceitável e normal. Em jogos de hóquei, por exemplo, a torcida fica gritando o nome do goleiro adversário por zombaria, principalmente se o goleiro sofreu um gol considerado defensável.

Na minha opinião, há uma diferença fundamental entre jogos coletivos onde há uma troca direta de ações e reações por parte dos adversários, e outra onde os adversários competem separadamente e seus desempenhos são então comparados para designar o melhor entre eles. Sendo assim, em esportes como o futebol, vôlei, basquete ou o hóquei, onde a bola (ou disco) é uma só e está em constante disputa pelas duas equipes, o erro de um time ajuda o outro a conseguir seu objetivo inicial (o gol, o ponto, a cesta). Se o outro time não errar, você vai ter mais dificuldade de fazer um gol, cesta ou ponto.

Em esportes como a ginástica e o tiro ao alvo, os competidores são avaliados separadamente, de acordo com seu desempenho individual. O erro de um competidor não faz com que o adversário melhore seu desempenho. Claro que se um adversário erra, sua nota ou pontuação será inferior ao que poderia ter sido, e o desempenho dos outros passa a ter mais chance de ficar em uma posição final melhor. Mas a essência desses esportes é tentar alcançar seu melhor desempenho individual, independente do que os demais irão conseguir. O resultado final seria uma consequência desse trabalho.

O ginasta ou atirador tenta tirar a nota máxima, porque não sabe se o adversário vai tirar uma nota tão boa. Se o atleta fizer o máximo, vai ficar em primeiro não importa se o adversário errar ou não (se ninguém errasse, haveria sempre um empate, mas esse não é o caso). Se os adversários são melhores, o atleta luta para ser melhor ainda. Pergunte a qualquer atleta se ele preferiria ganhar de todos os atletas fazendo seu máximo ou só por causa do erro dos outros. A própria satisfação pessoal de saber que você ganhou porque é melhor mesmo não tem comparação.

A culpa não é só da torcida brasileira, que deveria ter sido educada e informada sobre as nuances e diferenças entre o comportamento esperado nessas modalidades em comparação aos esportes coletivos mais populares do país. E esse comportamento da torcida, até certo ponto, também reflete os valores da sociedade brasileira atual, onde muitas vezes o que importa é ganhar, ou ficar à frente dos outros, não importam as circunstâncias. Se a desgraça alheia me beneficia, eu vou mais é comemorar.

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